domingo, 29 de março de 2009

CÔRES

Gostem outros do rubro, a cor viva incendida
Que lembra a chama, a guerra, as tintas flamejantes,
Seja o verde esperança a imagem enaltecida,
A mais apreciada em vários cambiantes,

Queiram outros o azul que evoca os céus distantes,
O manto de Maria, o sonho, o amor, a vida;
Ou seja a cor nevada a excelsa, a preferida
Ou de um belo dourado os tons mais cintilantes,

Hei de sempre exaltá-la e dar-lhe a preferência
Pois, em vez de beleza, atrai-me a transparência,
A graça, a candidez e a tímida expressão

Desse roxo violeta a linda cor discreta,
Que traduz nostalgia e tristezas do poeta,
A saudade, a amargura e a dor de um coração!

Francisca Clotilde. Mulheres do Brasil, 1971 p. 245.

MÊS DAS FLORES

És das flores o mês, o belo mês festivo,
Em que virgem do céu, a terra inteira exalta;
Tem do inverno o esplendor no verde que se esmalta
Quase sempre num tom mais nítido e expressivo.

Ao ver-te quem não sente em ti o anseio vivo
De gozar teu encanto e a graça que ressalta
Da linda primavera e brilha inspirativo,
Se o afeto docemente a alma me assalta?

Que lembranças de outrora! Ao rossicler da infância
Feliz eu te esperava e a cândida fragrância
Espalhavas do bem em doce alacridade.

És sempre o mês florido, ameno e perfumado,
Mas para que um coração em mágoas torturado
Tens em meio da flor o espírito da saudade.

Francisca Clotilde. Mulheres do Brasil, 1971:245

SETE DE SETEMBRO (Ao ilustre Dr. Boanerges Faço)

Esplende o sol... O Ypiranga desliza
E nele se reflete o azul sereno,
Lindo... A desdobrar-se ameno,
De luz e beleza se matiza.

Independência ou Morte! Concretiza.
O brado augusto, vivo como um treno,
O gesto nobre, o decantado aceno,
Do Monarca que ali se sublima...

E o grito vibra além... Há manifestas
Expressões as mais justas,
Um delírio de usos e festas.

E a grande terra, erguida na História,
Aureolada de estrelas refulgentes,
Sente envolvê-la a sagração da glória.

F. Clotilde. A Estrella, set. de 1921.

GRAÇA INFANTIL (À Maria Dolores Pontes)

Se não crescesses nunca; se ficasses.
Sempre assim pequenina e descuidada,
O riso a te brincar nas níveas faces,
A inocência a envolver-te fulgurosa...

Não sentirás os gozos tão fugazes
Que o destino vos guardai, assim mimosa,
Passaria a vida mais ditosa,
Colhendo rosa, onde tu passasses.

Mas quem pena, cresceres, louro anjinho!
Por isso eu te afagando bem de perto,
Sinto ferir-me o dardo de um espinho;

Brinca, aproveita a quadra aurifulgente.
Enquanto eu cismo do futuro incerto,
Goza as doçuras do feliz presente!

F. Clotilde. A Estrella, Set. de 1920.

VISÃO CAMPESINA (À bondosa dona Clara de Sá Leitão)

Que mimosa casinha emoldurada
De baunilhas em flor ! Um doce ninho...
Murmureja um regato, ali pertinho,
Ri-se a campina verde e perfumada.

Não lhe falta o cantar de passarinho,
Numa orquestra de amor bem afinada,
Que me faz esquecer o torvelinho
Dessa vida de praça emocionada.

O céu sereno e azul... Faceira a brisa,
Aqui tudo me enleva e, alegre sinto
Que o tempo mansamente se desliza.

Uma casinha só ! Qualquer cidade
Por ela não trocara... Em seu recinto
Gozei do bem, a paz, a suavidade!

Francisca Clotilde. A Estrella, 1920.

LUZ E SOMBRA

Por toda parte a luz, a placidez, o amor,
A graça festival do campo e do perfume,
A beleza sutil que traduz e resume
A ventura, a inocência, a primavera em flor....

É mais sereno o azul... Das águas o frescor
Tem um doce carinho, e misterioso nome,
De terra a repelir os rancores e o ciúme,
Imprime à natureza idêntico fulgor.

Será crível, meu Deus, perante este cenário?
Tão belo e encantador, tão puro e deslumbrante...
Que eu tenha o coração preso o triste fadário?

Que eu tenha o coração envolto em negros véus,
Sendo deste concerto a nota dissonante
A nuvem que perturba a limpidez do céu?!

Francisca Clotilde. A Estrella, Março de 1920.

MINHA ESTRELA (À Letícia Câmara)

Declina o dia... e nuvens cor-de-rosa
Vão adornando as fímbrias do poente,
No espaço azul de leve transparente
Surge uma estrela tímida e radiosa.

É a primeira. Eu fito-a carinhosa,
Enquanto vou pensando tristemente,
Ao pôr-do-sol, à hora transcendente
Em que a saudade vibra angustiosa.

Em breve o céu se mostra marchetado
De estrelas, e assim belo, constelado,
Como é sublime e traz inspiração!

Eu procuro então ver a minha estrela
Que fitava entre todas a mais bela,
Mas não posso encontrá-la na amplidão.

Francisca Clotilde In: A Estrella, Aracati CE.

D. LUIS ORLEANS (À Princesa Izabel)

É vivo o teu lugar, a cintilar na história,
Descendente de reis, o teu manto altaneiro
Há de sempre guardá-lo, aureolado de glória,
O grande coração do povo brasileiro!

Morreste sem fitar o esplendente cruzeiro
Que nos guia e conduz em bela trajetória,
Mas soubeste exaltar no país estrangeiro,
Por teu gênio imortal, tua augusta memória.

Ninguém pode privar que, num extro exaltado,
Em surtros magistrais, condor do pensamento,
Pairasses neste azul sereno e constelado.

Expulsou-te o Brasil; mas, embora proscrito,
O mundo iluminou o teu régio talento
E um trono conquistaste esplêndido infinito.

Francisca Clotilde. A Estrella, abril de 1920.

VISÕES DE OUTRORA

Que formosa ilusão! Vejo presente
O caminho feliz e perfumado,
Onde outrora, risonho e docemente,
Meu viver deslizou-se abençoado.

Como tudo mudou! Mas corrente
Que espalhava dos céus o trecho amado
Continua a gemer triste e dolente,
Relembrando bem vivo o meu passado

Era aqui... bem o sei neste recinto
Que floriam as rosas e os jasmins
Desatava o botão nas alvoradas;

E parece, meu Deus, que vejo e sinto,
Através das imagens reavivadas,
O olhar de minha mãe pousado em mim!

Francisca Clotilde. A Estrella, fev. de 1920.

ANDORINHA

Passando do inverno a pérfida inclemência...
Andorinha ligeira, vai buscando
Outro clima mais puro, ameno e brando,
Outro céu de mais doce transparência.

Gozas da luz a tépida influência,
Reunindo-te ao alegre bando,
Que recorta este azul de quando em quando,
Desejando mais plácida existência

Podes fugir, voar com as asas leves
Expandir-te ao calor do sol
De bendito verão, delícias breves.

Como eu te invejo: Enquanto vais seguindo,
Sofro a tortura do mais rude inverno
E o azul me esconde o seu sorrir, fruindo

Francisca Clotilde. A Estrella, julho de 1920.

LUCI (À Evangelina Ribeiro)

Passaste nesta vida alegremente,
Pequenina Luci, mimosa e pura;
Tua essência evolou-se pela altura
Desse azul constelado e resplandecente.

Quando, à noite, no céu lindo fulgura
A estrelinha mais viva e aurifulgente,
Julgam seu olhar, anjo inocente,
Desfeito em luz, na sideral planura.

Passaste como a aragem matutina,
De uma doce manhã de claridade,
Como flor virginal que a fronte inclina;

Mas teus pais, através da soledade,
Guardarão tua imagem peregrina,
Aureolada de amor e de saudade!

F. Clotilde. A Estrella, maio de 1920.

A PALMEIRA

Sobre o vasto areal, na extensão do deserto,
Erguia senhoril à luz, ao sol, ao vento.
A palmeira sorri-se ao viajor sedento
_Oásis verdejantes _ a se mostrar bem perto.

Em miragem tão bela... O seu leque entreaberto
Parece-lhe indicar, no rumo poeirento,
Das águas o frescor, a sombra, o aprazamento,
O descanso sonhado... o conforto mais certo.

Palmeira abençoada! Ao coração que oprime
A fadiga cruel, no itinerário rude,
Esperança e consolo o teu perfil exprime.

Quantas vezes também o prazer nos ilude
Mas que a vista do céu a noss’alma reanime
Seguiremos o bem, o dever, a virtude.

Francisca Clotilde. A Estrella, jul. de 1918.

O CAMINHO DA GLÓRIA

Sempre a olhar a bandeira erguida e tremulante,
Visão sublime e pura, imagem consagrada,
E sentindo o amor, a chama acrisolada,
Esquece a noiva o lar e a família distante.

Que lhe importa morrer? Num ardor incessante
Quer ver enaltecida a flâmula sagrada
E o sangue a referver, vigoroso, estuante,
Que corra vivo e rubro, em prol da terra amada,

Ouve o som do canhão e inda mais se avigora;
Parece circundando em fulgores de aurora,
Na luz de um novo sol que anuncia vitória;

E, ao cair sobre a arena ainda fita a bandeira
Essa estrela que brilha, a mostrar altaneira,
Sobre as ruínas da Pátria, o caminho da glória!

Francisca Clotilde. A Estrella, junho de 1918.

REMINISCÊNCIA (À Augusta Santos)

Era sempre ao sol pôr... Milhares de boninas
E rosas em botão, cravina multicores,
Junquilhos delicados e outras muitas flores
Eu reunia feliz para as aras divididas.

E que aroma sutil; nas horas vespertinas.
A linda primavera – a quando dos amores –
Espalhava a sorrir, enquanto as pequeninas
Nuvens d’ouro, no azul, refletiam fulgores.

Como eu relembro agora aqueles belos dias!
O sino a bimbalhar... As doces litanias,
O trono envolto em luz, o incenso, a Mãe bendita...

Hoje o que se seduz? O mesmo céu é triste
E dentro de minha alma apenas subiste
Da aventura fugaz a saudade infinita.

F. Clotilde. A Estrella, Maio de 1918.

NO SOSSEGO DO CAMPO (À alma radiosa de Dulce Nair)

Eis-me longe da praça! Em plena alacridade
Do campo aberto em flor a sentir a poesia,
Como é lindo este azul e que beleza irradia
A luz que vem do céu, que vem da imensidade.

Aqui ouço da linfa a grata suavidade
Num murmúrio de leve, ouço ali a melodia
Da mimosa avezinha a cantar anuncia
O doce rossicler... A vida... A Claridade ...

Não me vem a lembrança a ventura, a falaz,
À atração da cidade eu prefiro esta paz
Que me inspira, conforta e reanima na luta;

No sossego do campo é mais doce a ventura,
Mais nitente o luar, sopra a brisa mais pura,
Deus parece mais perto e melhor nos escuta!

F. Clotilde. A Estrella, abril de 1918.

MATER DOLOROSA (À Leodegária de Jesus)

Quem pode descrever aquela dor ingente
Que fere o coração da virgem sem conforto?
A saudade cruel invade-a rudemente
Ao sentir no regaço o seu filhinho morto.

É quase por do sol... Naquele desconforto
Quem há de minorar-lhe a solidão presente?
Pobre mãe a sofrer, desde a angústia do Horto
Por nós, por nossa culpa um martírio pungente!

Vós que passais, oh! Mães, através dos caminhos,
Os filhos perdoai que dos berços de arminhos,
Se evolaram sorrindo às regiões da Luz;

Enquanto a Virgem Santa – A Mater Dolorosa
Viu seu doce Jesus a sofrer morte afrontosa
Pregado entre ladrões, nos braços de uma Cruz!

F. Clotilde. A Estrella, mar. de 1918.

À PAZ (Ao grande espírito do Dr. Eduardo Dias)

Estende sobre nós as asas benfazejas,
Afasta para longe a sanguinária guerra;
És astro protetor, a iluminar a terra,
És anjo divinal nas hórridas pelejas.

Teu sorriso traz bonança e, qual íris, descerra
O negror da procela... Abençoada sejas;
Oh! Paz consoladora o nosso bem almejas,
Estrela vesperal que doce luz encerra.

Vem os homens unir, vem espalhar o amor,
Tem pena do sofrer das mães em ansiedade,
De ternos corações mova-te a íngreme dor;

Temos sede de ti, lenitiva à orfandade,
Com eflúvios do céu, num gesto animador,
Lembra o santo dever, as leis da caridade!

Francisca Clotilde. A Estrella, fev. de 1918.

A GARÇA (Ao coração primaveril de Rubens Bráulio)

Ei-la triste a mirar as águas irrequietas,
Parecendo evocar em visões luminosas
O passado de amor, as estâncias diletas,
Outro céu bem distante, outras margens formosas!

Exilada talvez das paragens ditosas,
Onde outrora gozou de alegria discretas,
Quer as asas de neve, essas asas plumosas
Espalmar pelo azul e voar como as setas.

Mas coitada! Não pode atingir as alturas,
Pois alguém a privou de fruir as venturas
Do inocente viver, da feliz liberdade.

Como a garça, tristonha, eu me sinto finar,
E não posso fugir... E não posso voar
Tenho aqui de carpir a tristeza, a saudade

Francisca Clotilde. A Estrella, 1918.

PÁTRIA

Ter uma Pátria assim tão bela e majestosa,
Como o nosso Brasil - A terra sem rival
Ver no céu sempre azul a Cruz esplendorosa,
Os reflexos sentir da luz auroreal;

Contemplar desfraldado o láboro, o fanal
Que do bem nos descerra a trilha luminosa,
Vendo em tudo ostentar-se a força portentosa,
Ter por Pátria o Brasil... Não há ventura igual.

Eu me sinto feliz porque sou brasileira,
E quisera exaltar no verso mais potente
O meu Ceará querido - o rútilo crisol.

Onde o valor se apura e a liberdade ingente
Dos heróis faz brilhar a glória verdadeira,
Em cíntilas de estrela... Em fulgores de sol!

Francisca Clotilde, A Estrella, Janeiro de 1918.

O CAMINHO DA GLÓRIA

Sempre a olhar a bandeira erguida e tremulante,
Visão sublime e pura, imagem consagrada,
E sentindo o amor, a chama acrisolada,
Esquece a noiva o lar e a família distante.

Que lhe importa morrer? Num ardor incessante
Quer ver enaltecida a flâmula sagrada
E o sangue a referver, vigoroso, estuante,
Que corra vivo e rubro, em prol da terra amada,

Ouve o som do canhão e inda mais se avigora;
Parece circundando em fulgores de aurora,
Na luz de um novo sol que anuncia vitória;

E, ao cair sobre a arena ainda fita a bandeira
Essa estrela que brilha, a mostrar altaneira,
Sobre as ruínas da Pátria, o caminho da glória!

Francisco Clotilde. A Estrella, 1918 In: Colares, 1993.

LÁGRIMAS (À F. Martins)

Chora a noite sentida a lágrima tremente
Do orvalho que aviventa a flor abandonada.
Da estrela cai na terra a luz meiga e dourada,
O pranto do infinito em gota aurifulgente.

E o velho mar que anseia, o velho mar fremente
Com zelo vai guardar na concha nacarada
As bagas que arrancou-lhe a dor amargurada,
Irisando-as da luz na pérola nitente!

Tudo adoece enfim!... Tudo chora e se queixa,
Da brisa o ciciar tem, às vezes, da endeixa
A mágoa dolorida e o tristonho dulçor.

O regato suspira... Há soluços nas águas,
A palmeira estremece e um concerto de mágoas
A saudade mistura aos idílios do amor!

F. Clotilde. A Estrella, Jun. de 1916.

EVANGELINA (À Evangelina Martins)

Teu nome é todo amor... Lembra os beijos da luz,
Temo saibro do mel e a atração de perfume.
Que delícia infinita o teu nome resume,
Num carinho ideal que a nossa alma seduz!

Ouvi-la é remontar aos espaços azuis,
Onde foge da vida o tristonho negrume;
É sentir-se feliz sem pesar, nem ciúme,
A fitar uma estrela que ao bem nos conduz.

Que doçura de amor! Que fulgores! Que encanto!
As dez letras que contém de teu nome tão santo,
Como a lei que do mal dominava o escarcéu;

Doce orvalho tremente, a pousar na florzinha,
Esquecer-te quem pode, querida amiguinha
Se o teu nome é bendito e nos fala do céu!

F. Clotilde. A Estrella, Maio de 1916.

SORRISOS DE ABRIL (À Gilberta Galvão)

O sorriso de Abril!...A graça insonte e meiga
Que se evola da flor e que brota no ninho;
O perfume, a poesia que dentro em nós se arreiga
Do campo verde, ao mais vivo carinho.

É tudo encantador... A brisa mais se ameiga,
Corre manso o regato na orla do caminho,
Reverdece da planta o trêmulo raminho
Tudo canta e sorri pela extensão da veiga!

O coração palpita e sonha à luz dourada
Que do azul nos inspira a rima abençoada,
Trescalando de afeto e ternura sutil;

Primavera no campo e primavera n’alma,
Foge a treva da dor e o coração se acalma,
Ante a graça aromal do sorriso de Abril!

F. Clotilde. A Estrella, Abr. de 1916.

BONINAS

Boninas, reflori no instante do por do sol,
Espalhai das corolas tímido perfume
Que na sua candidez só meiguices resume,
A mostrar inocência, a traduzir amor!

Se não tendes a graça, a beleza, o primor
Da rosa que fascina e nos jardins assume
O lugar de princesa, estimulando o ciúme
Da incauta borboleta e lindo beija-flor.

Sois como as almas que num singelo viver,
De longe... Deslumbradas têm suave prazer
Fugindo de lisonja e perfídia maldita;

Temeis de certo o sol que a maciez vos cresta,
E a mais bendizeis a luz doce e modesta
Da pequenina estrela que ama... Que palpita!

F. Clotilde. A Estrella, Mar. de 1916.

HIENAL

Tarde de inverno... O sol já se avizinha
Do poente que se faz purpúreo, e lindo,
Se espalham sombras pelo azul infindo,
Enquanto nos jardins a flor definha.

O coração que a dor forte espezinha
Recorda o belo tempo que, já findo,
Deixou recordações, passou sorrindo,
Como um sonho de amor que foge, asinha,

A saudade então vibra, em nós perdura,
Ora amarga, ora plena de doçura,
A invadir-nos o ser, grande, infinita;

Saudade eu te bendigo! Entre os abrolhos
Da vida me acompanhas nos escolhos,
Favo de mel, travo de dor bendita!

F. Clotilde. A Estrella, Fev. de 1916.

ÊXTASE (Ao Carlyle Martins)

Com as asas da Fé transporto-me às alturas
E sondo a profundidade enorme dos mistérios,
Vejo a estrela brilhar nos pássaros etéreos
E me enlevo a fitar as lúcidas planuras.

Ai! Que clarões divulgo!... Nesses mundos aéreos
Não se sente de leve as trevas e amarguras,
Deste viver terreno, entre ilusões e agruras
Quem me dera fugir aos espaços sidéreos!

Eu te bendigo, oh! Fé que me levas assim,
Bem longe das misérias... na amplidão sem fim
Onde reina a beleza esplêndida dos céus;

Feliz de quem se sente assim arrebatado
Num êxtase de amor, ao trono constelado
Bem perto do infinito e bem junto de Deus!

Francisca Clotilde. A Estrella, jun. de 1916.

HORA FESTIVA

Brilha o sol no infinito! A natureza em festa
Mostra um raro primor, por toda parte exulta
A flor, a estremecer no galho em que se oculta,
E o pássaro, a cantar, doce prazer atesta.

Nem um traço sombrio no horizonte resta,
Tudo azul a sorrir... pela leveza inculta,
Brinca a luz, q’entre as ramas trêmulas se esfresta,
Enquanto cresce o dia, enquanto o dia avulta.

Perfumes no ambiente... aves pipilam... cantam
A linfa de cristal cujo murmúrio encanta
O espírito do poeta aureolado em dor.

Bendita seja tu, oh! Grande natureza,
Fonte eterna de paz, de graça, de beleza,
Que infiltras dentro em nós o bem, a luz, o amor!

Francisca Clotilde. A Estrella, jan. de 1916.

A UM POETA

Detém a inspiração e o estro ousado,
Passa altivo no mundo o indiferente;
Que te importa o sofrer mais apurado
A beleza, a ilusão, o sonho ardente?

Tudo é vão, tudo passa, tudo mente:
Do teu canto o vibrar apaixonado
Disfarça muita vez um tom magoado
E se inspira na dor, na dor somente.

Sofra embora tua alma em desatino
De não ser entendida, atroz destino
Canta e segue a penosa trajetória.

Dilacerem-te os pés rudes abrolhos,
Canta a luz da alvorada, a cor de uns olhos,
O mar, a imensidade, o amor, a glória.

Francisca Clotilde. A Estrella, nov. de 1915.

MISTÉRIOS

Há um encanto secreto, um mistério insondável
No seio da floresta, e o seu recesso esconde
Tanta coisa ideal, sobre a rendada fronde,
Na beleza sem par, selvática, admirável!

A ave que desata a voz límpida, inefável
A voejar pelo azul exprime de onde em onde
Um idílio de amor que a brisa responde
E o aroma a se espargir , num eflúvio adorável.

Nos esponsais da flor, oh! Que ternura existe!
Que pode compreender a força que persiste,
A vibrar no mistério, a palpitar no arcano?

Quem pode do porvir traçar o itinerário,
Investigar quem ousa o pensamento vário
E o supremo mistério – o coração humano?

F. Clotilde, A Estrella, Jul. de 1915.

O INVERNO

(Para a dileta priminha Margarida Arruda)

Em vez do belo azul quisera agora,
Fitar por esses céus nuvens sombrias
Prenunciando as fartas alegrias
Da chuva que nos salva e revigora.

Quisera ver sorrir no campo a flora
Revestida de galas e louçanias,
E, vibrante, escutar as harmonias
Da passarada, pelo espaço afora...

Que venha o inverno dar conforto e abrigo
Aos povos que, a sofrer amargamente,
Deixaram de seu lar o pouso amigo...

A fome causa horror... A sede aterra;
Mandai-nos oh! Senhor, bondosamente
Vossas bençãos de Pai sobre a terra

Francisca Clotilde, A Estrella, 1915.

PARA O IGNOTO

(Ao ilustre Cel. Probo Câmara)
Eles têm que partir!... A caravana triste
Despede-se a chorar de doce abrigo,
No campo nem sequer uma florzinha existe,
O flagelo varreu todo o esplendor antigo!

A casinha, esta sim, tão alva inda persiste,
Inda guarda o verdor o juazeiro amigo;
Mas, lá longe, na estrada, o horror, o desabrigo,
A saudade cruel a que ninguém resiste!

E eles têm de partir! O rossicler do dia
Já brilhou no horizonte em clarão de agonia,
A lembrar-lhe o exílio em um país remoto.

Olham mais uma vez a casa... o céu azul
E se vai chorar o triste bando exul,
Em procura do Além, em busca do Ignoto.

Francisca Clotilde. A Estrella, 1915.

VÉSPER

A noite faz-se bela e iluminada.
Vésper brilhante, a confidente amiga
Surgiu no azul, estrela abençoada
Cujo fulgor os corações abriga!

E, da tela infinita a luz dourada,
Essa luz que consola e que mitiga
A saudade, o pesar, a dor antiga
No eflúvio do céu carícia amada.

Desperta dentro em mim viva lembrança
De ventura que foge e não se alcança,
Por que no mundo é tudo falso e vão

E enquanto pelo céu Vésper fulgura,
Sinto envolver-me a treva da amargura
A noite sem estrela e sem clarão.

Francisca Clotilde. A Estrella, dez de 1915.

MAIO

Eis que Maio chegou! Mas triste e desolado,
Sem primores de rosas e graças de boninas,
Já não ostenta o verde alegre das campinas,
Semelha um pobre rei de galas despojado!

Crestou do vento ardente, a louçania aos prados
A terra calcinou-se, e no vale, nas colinas
Já não tem o dulçor da linfa cristalina
Domina a solidão nos eternos descampados.

Rosas morrendo ao sol! Até sobre os altares
Da virgem sacrossanta, ela não vem aos pares
Exalar o seu perfume em grata suavidade.

Pobre Terra da Luz! Não tens mais primavera,
E, em vez de flores mil, que tinhas noutras eras,
Envolve-te a tristeza outonal da saudade!

Francisca Clotilde. Revista A Estrella, Maio de 1915.

TEU NOME

É bálsamo de amor que os lábios suaviza
É cântico do céu... encanta, atrai, consola,
Essência lirial que para Deus se evola,
É hino de esperança e as dores ameniza.

Maria! Ao repetir teu nome se matiza
De bençãos meu viver que a dor cruel.
Doce réstia de luz, confortadora esmola
Da graça e do perdão que as almas sublimiza.

Permite, oh! Mãe bondosa, oh! Virgem sacrossanta
De teu nome ideal que a melodia santa,
Vibrando dentro em mim as horas de amargura,

Seja a nota eteral, a nota harmoniosa
Que minha alma murmure, a te fitar ansiosa,
Estrela que nos guia à pátria da ventura!

Francisca Clotilde. A Estrella, julho de 1915.

PRECE

Oh! Bendita Virgem, Mãe piedosa,
Nívea dos céus, Maria Imaculada
Dentre as flores do céu mística rosa
Entre as mulheres, Santa proclamada!

Tua pureza Angélica e ilibada
Não teve manchas... Linda, fulgurosa
É corno de uma estrela, a luz radiosa
Que esgarça a treva aos beijos d’alvorada.

Conforta o nosso pranto, escuta a prece
Do triste, do exilado que padece,
Nesta vida cruel, desoladora;

Oh! Tu, Onipotente junto a Deus,
Desprende sobre nós do azul dos céus
Tua benção de Mãe consoladora.

F. Clotilde. Revista A Estrella, Aracati, abril de 1915.

AVE CEARÁ

Ave, Terra da Luz, Ó pátria estremecida,
Como exulta minha alma a proclamar-te a glória,
Teu nome refugastes inscreve-se na história,
És bela, sem rival, no mundo, engrandecida!

A dor te acrisolou a força enaltecida,
Conquistaste a lutar as palmas da vitória
Hoje és livre e de heróis a fúlgida memória
Jamais se apagará e a fama enobrecida.

O sol abrasa e doura os teus mares que anseiam
Em vagas que se irisam, que também se alteiam
A beijar com ardor teus alvos areiais.

Eia! Terra querida, sempre avante!
Deus te guie no futuro em ramagem brilhante
Nas delícias do bem, nos júbilos da paz!

Francisca Clotilde. A Estrella, março de 1912.

DEZEMBRO

Trajas o manto alegre e resplandente
Que tem a primavera auspiciosa,
Em ti se ostenta o verde sorridente
Da estação a mais bela e perfumosa.

Mês de Natal! Ao ver-te que mais não sente
Vibrar-lhe na alma a nota sonora
Se tu vens nos lembrar, doce e nifente
De um Deus menino a graça luminosa?

Que de saudades íntimas despertas
Ao lermos do passado sempre abertas
As páginas tecidas de ouro e luz.

Guardas em ti o aroma das florzinhas
Trenós de amor nas vozes das pastorinhas
Hinos do céu, honras a Jesus.

Francisca Clotilde. A Estrella, 1911.

A BANDEIRA

Vejo-te erguida, bela e tremulante
Tendo o azul deste céu resplandecente
E o verde esperançoso e potente
Que mostra a nossa flora sorridente.

Emblema augusto, símbolo potente
Banhada de sol vivo e brilhante
Relembra o poema amifulgante
A epopéia de feitos retumbante.

Amo-te assim, erécta, majestosa
Beijada pela brisa majestosa,
Querida, venerada dentre mil.

E como áureo, aos hinos da vitória
Ver-te sempre, brilhar cheia de glória,
Auriverde bandeira do Brasil!

Francisca Clotilde. Revista A Estrella, maio de 1910.

CRIANÇA

Nem um prazer enubla-lhe a existência
Vive a sorris feliz e descuidosa,
Do azul do seu olhar na transparência
Reflete-se do céu a luz formosa

Irmã dos lírios, bela como a rosa
Tem dos anjinhos a divina essência,
Orna-lhe a fronte o mundo da inocência
Fúlgido como estrela radiosa

Eu, quando a fito meiga e pequenina
Botão de flor que a coragem militança
Num doce alfaz o envolício decerra

Desejo vê-la assim sempre criança
Rindo a brincar num sonho de esperança,
Cheia de graça que a inocência encerra

Francisca Clotilde. A Estrella, julho de 1910

CARIDADE

Tu desceste dos céus e aos céus te volves
Num grande impulso do mais santo Amor
Do teu carinho os corações envolvem
Rios de luz que vem do Criador.

Gênio dos pobres, da miséria e horror
Foges ao teu jeito e as dúvidas resolves
Tornas a mágoa em risos, o espinho em flor
Do mundo as dores íntimas resolve.

Beijas a fonte da orfãzinha loura
O teu olhar é como o sol que doura
O monte, o vale e a terra toda em luz

Os homens unes num convívio terno
Crias o céu, a paz, o gozo eterno
Oh! Caridade, Oh! Filha de Jesus!

Francisca Clotilde. A Estrella, agosto de 1910.

LUAR DE AGOSTO

Luar de agosto, belo e resplandecente
Quando te espelha sobre o descompasso
Ao teu fulgor o coração que sente
Relembra o berço e os dias já passados.

Em céu sem nuvem - globo prateado
Se o teu reflexo vai suavemente
Beijar da flor o cálice orvalhado
Ou se combate nas águas mansamente.

Que de emoções despertas! Mais te amava
Se pelas serras, límpido brilhavas
Teu disco argenteo, em doce claridade.

Hoje tão longe, assalta-me o desgosto
E ao ver-te belo azul, luar de agosto,
Só me despertas mágoas e saudade.

F. Clotilde. A Estrella, ago. de 1909.

O ALVORECER

Vai pouco a pouco o sol iluminando
A terra que se cobre de verdores,
Cantam as aves pelo azul voando
Seus inocentes, cândidos amores.

Por toda a parte luzes e primores
Sente-se o aroma delicado e brando
Da fresca rosa, as pétalas soltando
A natureza ostenta-se em fulgores.

Oh! Como é belo o despontar do dia!
Que coração não pulsa de alegria,
Ao ver a luz avassalar a terra?

Ergue-se a Deus o olhar agradecido
E o homem forte sente-se vencido
Pelas belezas que a manhã encerra!

F. Clotilde. A Estrella, fev. de 1909.

ÍRIS

(À graça sedutora de Irene Marinho)

Ergue-se a cruz no monte! As sombras lutulentas
Foram-se as nuvens negras, procelosas,
Ostenta o íris as cores luminosas,
Cessa o terror, se espalha a alacridade.

Já não se escuta a voz da tempestade
O vento se acalmou, brisas cheirosas,
Vão soprando de manso, cariciosas,
Trazendo a paz do céu que nos invade.

Os corações se expandem docemente,
O espírito agitado ora descansa,
Aos sorrisos da luz clara fulgente!...

Íris do amor, estrella da bonança,
Temos, da vida na hora mais pungente,
O divino conforto da esperança.

Francisca Clotilde. Revista A Estrella, 1909.

AO CORAÇÃO

Porque suspiras, coração dolorido?
Ermo de afetos, cheio de amargura!
Fugiu de ti a plácida ventura!
Eis-te sozinho, a suspirar descrido!

Não mais no mundo pérfido, iludido.
Serás de afetos vãos da criatura,
Brilha em teu céu uma esperança pura,
É Deus que atenta o ser desiludido!

Busca o conforto místico, que vem
Trazer-te a luz, que dimanou do bem,
E que fulgiu nos braços de uma cruz;

Despreza os bens efêmeros da terra,
Busca o tesouro que somente encerra
O amor perfeito que sonhou Jesus.

Francisca Clotilde. Almanack dos Municípios do Ceará, 1908.

NINHO DESFEITO

Inda há pouco cantava docemente,
Num transporte de cândidos amores,
O casal de avezinhas inocentes,
A tecer o seu ninho entre as flores.

Embebidas num sonho transparente,
Elas iam saudando os esplendores
Do sol que, despontando sorridente,
Resplendia da serra nos verdores.

Mas ah! Um caçador desapiedado
Perturbou os idílios de noivado
Roubando ao par gentil a felicidade,

Hoje o ninho balouça-se deserto
_ Monumento gentil que lembra incerto
Um mistério de amor e saudade!

Francisca Clotilde. Almanach de Ceará, 1905.

A ÁRVORE

Ao contemplá-la, triste emurchecida,
Os galhos nus, de flores despojados
Sem a seiva que outrora tanta vida
Lhe trazia em renovos delicados;

Ao vê-la assim tão só, tão esquecida,
Tendo gozado dias tão folgados,
Ao som dos passarinhos namorados,
Que nela achavam sombra apeticida.

Ai! Sem querer encontro semelhanças
Entre meus sonhos e minhas esperanças
E a mirrada árvore dolente.

Ela perdeu as folhas verdejantes
Bem como eu as ilusões fragrantes
Que outrora me embalavam docemente

Francisca Clotilde. Almanack do Ceará, 1897.

À ANA NOGUEIRA

Não te corre nas veias delicadas
O sangue azul da fátua realeza,
Nem te cerca o prestigio de grandeza
Que enaltece as cabeças coroadas;

Desconheces as regras variadas
De etiqueta, requinte da nobreza,
Nem preferes à doce singeleza
Em que vives as cortez decantadas.

A teus pés não se curva a multidão
Para beijar tua pequenina mão,
Quando passas incógnita e sozinha;

Mas, sendo, como és formosa, e boa,
Tens uma bela e fúlgida coroa,
E vales muito mais que uma rainha.

Francisca Clotilde. A Quinzena, 16/04/1888.

A REDENÇÃO

A treva esconde a face delicada
Do Salvador exangue sobre a Cruz,
Porque fugia do sol a própria luz
E a natureza treme horrorizada.

Nem um conforto! Só a desvelada
Mãe comprimida ao lenho de Jesus
Sente pungir-lhe n’alma desolada
A dor cruel que a pena não traduz.

Silêncio, trevas, mágoa, confusão!
Eis terminada a lúgubre Paixão
Consumou-se a tragédia deicida.

Abriu-se o eco, oh! justos, exultai!
Flori boninas! Aves gorjeai
Saudando a humanidade redimida!

Francisca Clotilde, O Lyrio, Recife-PE.

DESERTO

Esta casa que vês arruinada,
Solitária e deserta no caminho,
Foi outrora de noivos casto ninho
De ilusões e de risos povoada.

E hoje, como fúnebre morada...
Já não conserva o traço de um carinho,
Nem se ouve o trinar do passarinho,
Em seu muro, ao romper da madrugada.

Assim meu coração d’antes repleto
De esperanças e cândidos amores
É hoje como um túmulo, deserto;

E o vergel onde outrora as lindas cores
Das rosas de um porvir risonho e certo
Brilhavam, tem espinho em vez de flores!

Francisca Clotilde, A Quinzena, 1887.

MARIPOSA

Incauta mariposa em torno à luz
Viceja pela chama fascinada,
Até que enfim examine, crestada
Cai em meio do fogo que a seduz.

A chama q’ue dos olhos teus transluz
Tem minha alma em desejos torturada
E aií tento fugir mais abrasadas
Me sinto neste amor que cresce a flux.

Oh! Fecho os negros olhos sedutores,
Não me queimes nos fervidos ardores
De uma louca paixão voráz e forte

Receio que minha alma caia exausta
Neste abismo de luz como a peralta
Que buscam o prazer e encontra a morte

Francisca Clotilde, A Quinzena, 15/05/1887

À MEMÓRIA DA VIRTUOSA IRMÃ MARGARIDA BAZET

Seus lábios não provaram neste mundo
A taça do prazer que nos seduz,
Desprezou a grandeza... uniu-se à Cruz,
Aos que sofrem votou amor profundo.

Guiou-me a infância, terna e desvelada
No caminho do bem, tinha carinhos
Para os prantos das tristes orfãzinhas,
Era tão boa, meiga e dedicada!

Descansa em paz, Oh! doce criatura,
O mundo não podia a formosura
De tua alma de santa compreender;

Ele que é não, inconseqüente e rude
Eleva o vício e abate a sã virtude!
Só entre os anjos poderás viver....

Francisca Clotilde, O Libertador, 06 /05/1887.

IRMÃ DE CARIDADE

Como um anjo risonho do céu
Ela assiste nos leitos da dor
Traz sorrisos ao pobre que sofre
Diz-lhe sempre palavras de amor.

Os prazeres mentidos do mundo
Pelos braços da cruz desprezou
E deixando a família e a pátria
A pobreza e o martírio buscou.

No martírio se julga ditosa
Junto ao leito do pobre doente
A velar como mãe carinhosa.

Passa os dias à sombra da Cruz
Cura as dores do triste que geme,
Guia a infância na lei de Jesus.

Francisca Clotilde, O Cearense, 29/09/1883.