domingo, 29 de março de 2009

CÔRES

Gostem outros do rubro, a cor viva incendida
Que lembra a chama, a guerra, as tintas flamejantes,
Seja o verde esperança a imagem enaltecida,
A mais apreciada em vários cambiantes,

Queiram outros o azul que evoca os céus distantes,
O manto de Maria, o sonho, o amor, a vida;
Ou seja a cor nevada a excelsa, a preferida
Ou de um belo dourado os tons mais cintilantes,

Hei de sempre exaltá-la e dar-lhe a preferência
Pois, em vez de beleza, atrai-me a transparência,
A graça, a candidez e a tímida expressão

Desse roxo violeta a linda cor discreta,
Que traduz nostalgia e tristezas do poeta,
A saudade, a amargura e a dor de um coração!

Francisca Clotilde. Mulheres do Brasil, 1971 p. 245.

MÊS DAS FLORES

És das flores o mês, o belo mês festivo,
Em que virgem do céu, a terra inteira exalta;
Tem do inverno o esplendor no verde que se esmalta
Quase sempre num tom mais nítido e expressivo.

Ao ver-te quem não sente em ti o anseio vivo
De gozar teu encanto e a graça que ressalta
Da linda primavera e brilha inspirativo,
Se o afeto docemente a alma me assalta?

Que lembranças de outrora! Ao rossicler da infância
Feliz eu te esperava e a cândida fragrância
Espalhavas do bem em doce alacridade.

És sempre o mês florido, ameno e perfumado,
Mas para que um coração em mágoas torturado
Tens em meio da flor o espírito da saudade.

Francisca Clotilde. Mulheres do Brasil, 1971:245

SETE DE SETEMBRO (Ao ilustre Dr. Boanerges Faço)

Esplende o sol... O Ypiranga desliza
E nele se reflete o azul sereno,
Lindo... A desdobrar-se ameno,
De luz e beleza se matiza.

Independência ou Morte! Concretiza.
O brado augusto, vivo como um treno,
O gesto nobre, o decantado aceno,
Do Monarca que ali se sublima...

E o grito vibra além... Há manifestas
Expressões as mais justas,
Um delírio de usos e festas.

E a grande terra, erguida na História,
Aureolada de estrelas refulgentes,
Sente envolvê-la a sagração da glória.

F. Clotilde. A Estrella, set. de 1921.

GRAÇA INFANTIL (À Maria Dolores Pontes)

Se não crescesses nunca; se ficasses.
Sempre assim pequenina e descuidada,
O riso a te brincar nas níveas faces,
A inocência a envolver-te fulgurosa...

Não sentirás os gozos tão fugazes
Que o destino vos guardai, assim mimosa,
Passaria a vida mais ditosa,
Colhendo rosa, onde tu passasses.

Mas quem pena, cresceres, louro anjinho!
Por isso eu te afagando bem de perto,
Sinto ferir-me o dardo de um espinho;

Brinca, aproveita a quadra aurifulgente.
Enquanto eu cismo do futuro incerto,
Goza as doçuras do feliz presente!

F. Clotilde. A Estrella, Set. de 1920.

VISÃO CAMPESINA (À bondosa dona Clara de Sá Leitão)

Que mimosa casinha emoldurada
De baunilhas em flor ! Um doce ninho...
Murmureja um regato, ali pertinho,
Ri-se a campina verde e perfumada.

Não lhe falta o cantar de passarinho,
Numa orquestra de amor bem afinada,
Que me faz esquecer o torvelinho
Dessa vida de praça emocionada.

O céu sereno e azul... Faceira a brisa,
Aqui tudo me enleva e, alegre sinto
Que o tempo mansamente se desliza.

Uma casinha só ! Qualquer cidade
Por ela não trocara... Em seu recinto
Gozei do bem, a paz, a suavidade!

Francisca Clotilde. A Estrella, 1920.

LUZ E SOMBRA

Por toda parte a luz, a placidez, o amor,
A graça festival do campo e do perfume,
A beleza sutil que traduz e resume
A ventura, a inocência, a primavera em flor....

É mais sereno o azul... Das águas o frescor
Tem um doce carinho, e misterioso nome,
De terra a repelir os rancores e o ciúme,
Imprime à natureza idêntico fulgor.

Será crível, meu Deus, perante este cenário?
Tão belo e encantador, tão puro e deslumbrante...
Que eu tenha o coração preso o triste fadário?

Que eu tenha o coração envolto em negros véus,
Sendo deste concerto a nota dissonante
A nuvem que perturba a limpidez do céu?!

Francisca Clotilde. A Estrella, Março de 1920.

MINHA ESTRELA (À Letícia Câmara)

Declina o dia... e nuvens cor-de-rosa
Vão adornando as fímbrias do poente,
No espaço azul de leve transparente
Surge uma estrela tímida e radiosa.

É a primeira. Eu fito-a carinhosa,
Enquanto vou pensando tristemente,
Ao pôr-do-sol, à hora transcendente
Em que a saudade vibra angustiosa.

Em breve o céu se mostra marchetado
De estrelas, e assim belo, constelado,
Como é sublime e traz inspiração!

Eu procuro então ver a minha estrela
Que fitava entre todas a mais bela,
Mas não posso encontrá-la na amplidão.

Francisca Clotilde In: A Estrella, Aracati CE.